sábado, 21 de novembro de 2015

esqueletos

quando terminada, penso: é isso!
está pronta a poesia!
mas quando a releio...
meu Deus!
conseguirei escrever algum dia?

Cafeteria

Adentro a cafeteria na rua da católica
invisível, como a massa vidraceira que me cerca.
ao fundo os ruídos da cidade.
pura matéria de poesia.

como de praxe
despejo impressões sobre o papel.
vizinho a mim um casal discute.
para matéria da poesia.

ele diz:
"não era isso que esperava de ti"
e lamenta, expectativo.
mas através dos olhos ela o enlaça...
não é preciso dizer nada.

ela sabe
bem sabe ela quem manda no jogo.
neste vil jogo que fazemos quando amamos
enquanto amamos e nos fazemos.

ele corre
assenta suas lamúrias
segreda seus intentos
mas através dos olhos ela o enlaça...
será que não é preciso dizer nada?

(perco o olhar)

vejo a colher de plástico
esta colher solitária e minha
uma colher entre um milhão.
uma simples colher, no entanto..
única neste poema.

seria fácil, imagino
ser uma colher ou um grão de açúcar ou
qualquer outro objeto cujo sentido
viera junto a si no mundo

(volto-me ao casal)

o silencio jocoso
a verdade dissimulada
o desapontamento arguto dos seios
que fazem juntos?

então
apoiar-se sobre os cotovelos
olhar bem ao fundo dos olhos
e não precisar dizer mais nada...

até o silêncio falar por si.




sex 20 nov 15



terça-feira, 17 de novembro de 2015

Amanhã, hoje, sempre

A fim de atenuar a melancolia
me preencho de derivativos
demovo o delírio sóbrio
adormeço na derivação progressiva
da marcha
do relógio

tic
    tac
tic
   tac

me desfaço em nós de poesia
enquanto o desejo
em sua reencarnação radical
desperta este corpo frágil e débil
de sua condição abusivamente limitada.

tic
   tac
tic
   tac

escrevo:

ó palavras me insinuem o caminho para a verdade.
sejam, por si só, ladrilhos que cheguem a mim mesmo.
e cercado por essas paredes úmidas
dentro nesse nebuloso aposento
investigar a mim mesmo e ao mundo
amanhã, hoje, sempre.


Anseios

Minha alma está aos pulos.
anseia
eternamente
pelo escrito subtil de dois corações apaixonados.

Munida
de noite
revestida
de lua
segue a alma
na rua
a procurar sua verdade.

e quem sabe?
onde
nessa estrada
passageira
pode a alma
- por inteira -
encontrar sua metade?

13 nov 15

(Tu) do

Tudo
é incerto
e apreciado
de maneiras diferentes;

Tu
     do
          é falso.
Tu
     do
          é possível.
Tu
     do
          é duvidoso.

sábado, 3 de outubro de 2015

Mistério

que é minha poesia? senão
uma proclamação pública dos meus desejos de amor
um desvendamento melancólico dos tesouros escondidos no homem
uma ida sem volta aos confins de mim mesmo
um descobrir-se constantemente por meio do verbo...

que é meu desejo? senão
o supremo impossível trajado ordinariamente
um amálgama irrefreável de contradições pulsantes
um coração arrítmico que chora e se pavoneia
diante deste palco de horrores e espetáculos...

que sou eu? senão
a vitória -ao acaso?- de algo além de mim
um grão de areia errante em meio ao deserto
uma flor que desabrocha lentamente
no porvir do tempo e das estações...

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Tela plana

Se fôssemos mais transparentes
sinceramente idiotas
perguntaríamos, despretensiosos:

me diz,
que fazer neste dia úmido
cujas horas escuras
caminham de encontro ao dia?

me diz,
que faço com este coração
despreocupado e pulsante
carente por aventura e
fantasias?

me diz!
Ou cala-te.

guarda tuas palavras para as horas vivas
cujos assuntos não se encerram em tela plana
mas antes pairam inquietamente no ar

...

quinta-feira, 16 de julho de 2015

o título é sempre complicado

há pessoas que vestem
pele de rosas
e sob a face neutra proclamam
sua beleza
e sob o corpo frágil empunham
seus espinhos

13 07 15

Em matéria de cozinha

não gosto muito de narizes empanados
prefiro arroz com feijão. mas devoro-os,
pois para além de matar a fome,
mata-se também a pretensão.

ser melhor por ter mais
ter mais por ser melhor.
- eis a lógica em que vivemos -
me pergunto: que faremos?
abrimos o coração?

dia-a-dia, diminuto
que sirva de lição:
pequenas, médias ou grandes,
o importante é SER ação.

um adeus, um bom dia, um olá
um querer, um poder, um viver
todas estas coisas pertencentes ao homem
contorcem-se e adormecem no campo de batalha..

e o homem morto já não tem mais fome
e a fome já não sorve o sentido
e o sentido já não tem mais sentido
e no relógio correm angústias.

e o coração, enfim, adormecido
caminha inelutável ao teu sono atemporal
e os dias correm apertados,
e os sonhos, secos, permanecem no varal.

Em matéria de cozinha
receita-se então o apelo
cuidado! nada mais nocivo
que narizes empanados.

16 07 15

quarta-feira, 1 de julho de 2015

A lua

A lua em sua plena beleza
desfila sob a rua acinzentada
decifra a linha, a sombra
a mensagem não ouvida.

Desliza por entre homens
e deles extrai as mais diversas opiniões
em seus corações ela retumba
mas apenas em alguns
navega e segreda seus mistérios

sábado, 13 de junho de 2015

Um cabo de sentimento

Noite passada
navegando em pensares
um repelão da consciência
me indagou o porquê
eu e você
não termos acordados juntos
respondi-a em silêncio que
apesar do desfecho
insatisfatório
não era,
de todo,
ruim.
e sim,
por fim,
delicioso.
afinal, é por prazer que se vive
e
se não for por isso
que há de ser proveitoso.
a consciência,
encabeçada com a ideia
do dever ter compartilhado o crepúsculo
alfinetava o peito em sentido agudo
quase como se reclamasse
tua presença não consumada
logo percebi, de súbito
que querer-te perto assim
é puro querer sem sentido,
é armadilha,
não abrigo.
é posse,
não brigada.
13/06/15

sexta-feira, 12 de junho de 2015

poeminha instantâneo

-oi
oilá!
vem ela
emudece.
pensamento acresce: o..
deixa pra lá..
tchau!
vai, vai ela,
se foi,

que faço?
samba no sapato alheio
pensamento sofre: n..
deixa pra lá..
e assim permanece
entre pensar
dizer
e falar
e assim se esvanece
por medo
por dor
por ...
deixa pra lá..

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Flor em paisagem de cinza

Em África, por vezes, olhares curiosos perdiam-se de encontro ao meu. Investigavam essa forma humana como uma criança em seu primeiro contato com o desconhecido. Sentia-me como um astro de tv ou coisa parecida, posto em evidência a cada esquina. Em verdade, encontrava-me aberto ao mundo, embora fechado em mim. Selava as portas do encontro, como cortinas cessam a luz das janelas. Buscava qualquer coisa de libertário no andar solitário e na íntima reflexão.

Minhas ideias caminhavam no ritmo de meus passos e estes, já sem direção, obedeciam a vontade não refletida de minha frágil estrutura. Era o mesmo, invariável, caminhar sem rumo ou plano, na procura cega por novos horizontes. Mas os verdadeiros horizontes se encontravam logo ali, deitados pelas calçadas, sentados sob a sombra de árvores, passando por mim constantemente.

Este estado de alheamento logo se dispersou. Reivindicou-se, em face a outros rostos. Amiúde, sons e ruídos humanos batiam a porta de meus ouvidos. Fingia desconhecer seus intentos. Pouco-a-pouco, impressivamente, a vida encarrega-se de nos impermeabilizar contra certos tipos de emoções. Como poderia ser diferente?

De fato, era flor em paisagem de cinza. Olhares e sorrisos cintilavam diante daquele quadro infeliz. Me perguntava o porquê. Adiante, notei que minhas impressões estavam carregadas de impressões. Lentamente, busquei dissipá-las nas águas da experiência. O espetáculo singular produzia em mim duplo sentimento: fascínio e compaixão. E foi lindo vê-los sendo significados diferentemente.

Surgiu o respeito. A valoração da dimensão axiológica alheia. O contato com o outro, verdadeiramente. E, apesar de estar ciente que minha compaixão de nada valia àquelas pessoas, meu passado e memória se encarregavam em arrastá-la até meu coração. Contra a vaidosa razão o peito amolecia e a garganta lutava contra o ímpeto do soluço. Após algum tempo, sequer problematizava mais acerca disso. Eis a vida se encarregando novamente em banalizar os exageros.

(...)

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Irvaldo, traz uma daquelas pra mim e pro nosso amigo?


Escrevo estas linhas sentado num pequeno bar no centro de Porto Alegre. É um estabelecimento simples e discreto, cuja entrada se esconde entre prédios comerciais. Daqui posso ouvir o roçar das paredes umas de encontro às outras, e, na rua, os passos apressados dos transeuntes matinais. Peço um café. Ele chega. Pronto. Após o primeiro gole assento minha atenção no papel e projeto o lápis em direção ao espaço em branco. Ele me olha, paralisa, enfeitiça, confunde. Esta é a parte mais difícil, a introdução. Penso que devo ignorar essas regras estéticas porque, afinal, escrevo por diversão. E percebo que também tem ritmo, a escrita, a imaginação. É o amor em ação.
Mas então, eis que surge um homem me chamando a atenção. (paremos de rimar por aqui) Puxa assunto com os olhos. Vejo a boca mover-se mas ouço somente a música dos fones. Aceno igualmente com os olhos em gesto de cumplicidade embora desviando-lhes com velocidade para que não ficasse impresso a vontade do diálogo. Graças a empatia, porém, falhei, e a conversa iniciou-se quase assim:
- 9 anos! 9 anos sem beber uma gota! Se me permito um copo sequer, adeus! Dia três, ontem, completam nove anos de retidão alcoólica.
- Meus parabéns, disse-lhe.
Sorriu na esquina dos olhos e fez gesto de cumplicidade. Orgulhava-se enormemente do seu feito. Notei que, em certo sentido, precisa ouvir isso. Sabia que, em última instância, as dores do mundo falam mais baixo que as dores que residem no peito e que, neste ponto, partilhá-las é um caminho para superá-las. Ao contar vitórias, retifica o mérito de sua nobre missão, ainda que uma luta pessoal. Ao expor suas lutas encontrava nos elogios razões para justificá-las. Com o jornal na mão transitava entre notícias e mantinha a letra:
- Se, um dia, eu tomar uma colheirinha sequer; isto aqui - indicava uma pequena quantidade entre o indicador e o polegar - já era!
Insistia em reafirmar o estatuto sofrido de sua vitória. Suas razões eram pessoais, mas talvez justamente por se passar no âmbito da subjetividade é que a sua batalha necessitava da objetividade alheia.
- Aqui, segure isto.
Entregou-me, no intuito de aniquilar a possibilidade de ser mentira, um botão dos Alcoólicos Anônimos. Nele estava escrito seu nome, a data em que havia ingressado e o período que fechava o ciclo de um ano a partir desta data. Todo dia três, então, um botão diferente em cor lhe era dado. Acredito que esta seja uma forma de prevenção. Na altura em que o desejo de beber lhe convidava, o botão servia como um freio ao impulso. Sentia-lhe no bolso e recordava o motivo dele se encontrar ali e todo trabalho precedente. Elencava razões, lamúrias e, assim, se desprendia do amplexo alcoólico.
Todavia, segundo me constou em confidencias, os nove anos nos quais havia permanecido sem nenhuma gota sequer não mantinham caráter de veracidade. Inventava, em sua cabeça. Por que? De acordo com ele, o alcoolismo é uma doença sem cura. Mal brabo, daqueles que só sai com macumba mesmo.
- Não existe remédio. É uma desgraça. Disse a mim, inconformado.
Ou melhor, conformado. Existia naquelas palavras alguma culpa. Era como se justificasse sua derrota perante a sede:
- Passou-se um tempo em que, todos os dias, eu me punha a acordar junto ao sol e sem delongas ia molhar o bico no bar do Cigano.
Neste momento, desenhou-me o mapa do trajeto imaginariamente sobre a mesa com o dedo indicador. Sua casa ficava próxima a sua residência. Passava ali mais tempo que no sofá. Chegava na penumbra, indiferente a quase tudo e a todos. Olhava para o cigano e, com as mãos escondidas atrás das costas, emitia sinal com os olhos secos. Após molhados, podia desesconder as mãos trêmulas. Virava tudo num gole e, após alguns segundos, recaía na realidade, embriaga e torpe.
- Uma rotina perigosa, expus.
- Verdade. E como era. Eu não tinha controle sobre a minha vida. Comecei a perceber isso quando vi que já não mais tinha sequer o controle das minhas mãos. Elas só paravam quando eu bebia. Remediava um problema com o outro. As mãos que tremessem, não deveria beber para acalmá-las. Deveria mesmo era ter parado de beber.
- Talvez voce não se visse como um alcoólatra naquela época. Repliquei em tom de compreensão.

- Tem razão, disse-me, um tanto surpreso. E voce, que faz da vida?
- Estudo filosofia...
- Eita rapaz, filosofia? E eu achando que eu é que tava mal!
- Ué, como assim?
- Tchê, essas coisas de filosofia, não é pra mim não. Até respeito, tenho um sobrinho que faz filosofia também, mas o guri só quer saber de fumar maconha.
- hahahaha, maconha é bom demais.
- Como? Tá doido, coisa do diabo, destrói a pessoa! Esses pobres coitados aí na rua que voce vê começaram fumando um baseadinho também..depois é a cocaína e por último o crack. Voce que faz filosofia devia saber disso.
- Não sei bem se foi assim que eles começaram. Muitos deles começaram pelo cigarro.
- Tá, mas o cigarro é normal.
- Normal?
- É, não tem problema, é liberado.
- Porque será né?
- Aí cabe a voce responder. Não é filósofo?
- Eu sei a resposta, estou sendo irônico.
- Então qual é?
- Porque a indústria do tabaco fatura milhões em cima disso.
- Hm..voce é bom mesmo hein.
- hahaha, se voce diz..
- É sério, certeza que fuma maconha? E essas tatuagens?
- São memórias estéticas.
- Memórias o quê?
- Estéticas. Visuais. É arte.
- Isso para mim é vandalismo com o corpo.
- Segundo quem?
- Jesus. O catolicismo condena qualquer tipo de mutilação corporal, faz mal ao espírito.
- É, talvez, mas eu não me sinto mal por isso. Não sou adepto ao catolicismo.
- Isso é porque voce fuma maconha.
- Quê?
 
- não acredita em Deus, tem tatuagem, faz filosofia..
- Epa, eu nunca disse qu..
- Ah que se dane, quer saber, toda essa conversa me deixou foi nervoso. Irvaldo, traz uma daquelas pra mim e pro nosso amigo?