terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim é todo mundo; outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta; outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente; outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem; outra parte, linguagem.
Traduzir-se uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte?

(Ferreira Gullar, Na Vertigem do Dia. 1980.)

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