segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Homem: Um ser para a morte

 De acordo com Heidegger, o caminho que leva ao ser passa pelo homem, na medida em que ele está sozinho para interrogar-se sobre si mesmo, colocar-se em questão e refletir sobre o seu próprio ser. Concebida como via de acesso para a descoberta do ser, a análise da existência humana constitui o conteúdo da primeira parte de Ser e Tempo. Nesta obra, Heidegger aponta para três aspectos fundamentais da vida cotidiana do homem, cuja existência seria, para o autor, inautêntica: a facticidade, a existencialidade e a ruína.


Cabe a nós falarmos sobre a ideia de ruína. O que Heidegger compreende por ruína seria o desvio de cada indivíduo de seu projeto essencial, em favor das preocupações cotidianas, que o distraem e o perturbam, confundindo-o com a massa coletiva. O ser humano, em sua vida cotidiana, seria promiscuamente público e reduziria sua vida à vida com os outros e para os outros, alienando-se totalmente da principal tarefa que seria o tornar-se si mesmo.

Ora, mas como, enfim, tornamo-nos aquilo que somos? A fim de encaminhar-se na direção do ser seria necessário desvendar a existência autêntica do homem, aquela que o faz o verdadeira revelador do ser.

A angústia - segundo Heidegger - é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade com o ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indeferenciação da vida contidiana. Para Heidegger, o angustiado não somente ignora a razão de seu estado de consciencia como também tem certeza que coisa alguma no mundo está implicada nesse estado. Isso se comprovaria pelo fato de que, na angústia, todas as coisas do mundo aparecem bruscamente como desprovidas de qualquer importância, tornam-se desprezíveis e dissolvem-se em nulidade absoluta. O próprio angustiado desapareceria de cena, na medida em que seu eu habitual, composto pelas preocupações, desejo e ambições cotidianas e vulgares, passa a ser considerado como insignificante. A própria dissolução do eu nas coisas do mundo e nas trivialidades impede-o de localizar a causa de sua angústia. O que ameaça o angustiado - diz Heidegger - está em tudo e em lugar algum, ao mesmo tempo. Não se pode dizer que a angústia se aproxima ou se distancia; ela é onipresente. Por isso, envolve o homem com um sentimento de estranheza radical. Todos os socorros e todas a proteções são ineficazes para debelá-la; o homem sente completamente perdido e desvalido.

A partir desse estado de angústia, abre-se para o homem, segundo Heidegger, uma alternativa: fugir de novo para o esquecimento de sua dimensão mais profunda, isto é, o ser, e retornar ao cotidiano; ou superar a própria angústia, manifestando seu poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo. Aqui surge um dos temas-chave de Heidegger: o homem pode transcender, o que significa dizer que o homem está capacitado a atribuir um sentido ao ser. O homem está naturalmente fora de si mesmo, sobre o mundo, em relação direta com o mundo que ele produz e para o qual ele se projeta incessantemente: "Produzir diante de si mesmo o mundo é para o homem projetar originariamente suas próprias possiblidades."

Entretanto, nesse projetar-se sobre o mundo, o homem não estaria sozinho. Ele é um ser-com, um ser-em-comum e isso se manifesta sobretudo no trabalho, mas ainda mais profundamente na solicitude por outrem, fato que conduz ao amor e à comunicação direta. É principalmente em relação a si mesmo e a seu próprio futuro que o homem não cessa de transcender-se. O ser humano jamais seria um ser acabado e nunca seria tudo aquilo que pode ser; estaria sempre diante de uma série infinita de possibilidades, sobre as quais se projeta. Estabelecendo um estado de permanente tensão entre aquilo que o homem é e aquilo que virá a ser, essa projeção constituiria a inquietação. A inquietação estrutura o ser do homem dentro da temporalidade, prendendo-o ao passado, mas, ao mesmo tempo, lançando-o para o futuro. Assumindo seu passado e, ao mesmo tempo, seu projeto de ser, o homem afirma sua presença no mundo. Ultrapassa então o estágio da angústia e toma o destino nas próprias mãos.

A temporalidade constitui, assim, a dimensão fundamental da existência humana, segundo Heidegger. E o filósofo conclui a segunda seção da primeira parte de Ser e Tempo com a pergunta: haverá algum caminho que possa levar do tempo existencial ao sentido do ser? Em outros termos, o tempo se revelaria também como o horizonte do ser?

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