sábado, 21 de janeiro de 2023

 O aroma do vento é como uma lembrança

de liberdade.
E no germe de toda vida múltipla
reside o meu apelo a vida.
sonho baixo para que os pássaros não invejem
a altura de meus devaneios
e perto da terra, ao lado do lodo,
edifico minha casa
compreendo meu lugar ao lado das coisas mortas
como sendo eu mesmo matéria semelhante
ao lado da sepultura florida de meus antepassados
derramo água que verte do sangue
como uma oferenda muda aos mortos que tanto falam
O caminho da matéria morta é um enigma de luz
da esfinge até a banalidade do meu entorno:
em tudo quanto existe parece que Deus respira
como origem, fonte, seio e fim.
ser ou não ser? eis a questão que norteia
o vôo de minha poesia...
nas ilustrações da natureza inanimada
é a pedra quem recebe as inscrições naturais
o poeta, o mais antigo dos paleólogos
escava o terreno da imaginação ativa
pedra, terra, lodo, árvore, homem
derivativos de uma única substância
quem já teve a sensação de se sentir em casa em meio a Natureza?
nas lendas, nos mitos, os elementos nos falam
sobre resquícios de uma psicologia humana
e as vozes, que ecoam da terra
nos alcançam através dos sonhos.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Seria a depressão uma nova luz no horizonte?

Morrer não é um problema. A morte física é o encerramento de um ciclo biológico. Qual seja o nosso destino, a consciência, a que tudo indica, adormece, se transmuta, não mais é. Morrer verdadeiramente implica a renúncia de nossos sonhos, nossas aspirações, nossos objetivos. Em outras palavras, morrer verdadeiramente significa esperar passivamente pela morte física. Quantos de nós não estamos mortos, ainda que respirando?

Ouso dizer que não existe dor maior que viver uma vida nula. Uma vida desprovida de sentido. Nesse estado, a razão se volta contra o homem como uma arma letal. Ela impulsiona os pensamentos doentis, lhes confere força, legitimidade. Não devemos legitimar aquilo que pensamos quando estamos distantes de nós mesmos. Se não disciplinarmos nossa mente e corpo para lidar com as tempestades da vida, o sofrimento é eterno - continuaremos a velejar num mar revolto, esperançosos de que, eventualmente, o barco afunde de vez.

Sente-se, não sem frequência, o desejo de que ele toque o fundo do vasto oceano. Como se alcançar o abismo fosse uma manobra desesperada por uma profundidade esquecida. Que o barco seja levado pela tempestade, e com ele, tudo o mais – o mar, a embarcação, os tripulantes. Dormir e não mais acordar – um sono sem sonhos...seria esse o quadro a que chamamos ‘morte’?

Para atribuir um sentido profundo à nossa existência é preciso que resgatemos a criança que habita em nós. Porque quando crianças a nossa mente ainda não se identificou com nenhum aspecto de nós mesmos – somos livre para sermos o que quisermos. A imaginação, o descaso com a opinião alheia, a liberdade de criação de novos horizontes possíveis...tudo isso é sublimado pelas exigências de uma vida cotidiana.

Todavia, na medida em que envelhecemos, esquecemos. Parece mesmo que temos que ‘ser’ uma ‘coisa só’ – atribuir a nós um título, uma profissão, um meio de ‘ganhar a vida’. A identificação com esses títulos muitas vezes se traduz num esquecimento, socialmente administrado, de nossas diferentes habilidades. A memória parece, portanto, ter um papel fundamental na construção de nossa felicidade. Tanto é assim que um dos sintomas mais comuns àqueles que sofrem de depressão é o esquecimento gradativo de suas próprias potencialidades emergentes. Esquecer a si é consequência direta de um olhar desesperançoso. Esquecer a si mesmo é a verdadeira morte do homem - que absolutamente nada é em si, além daquilo que faz de si.


A ideia de ‘conquistar nosso espaço’ implica que devemos antes nos firmar social e individualmente como ‘x’ e exercer a função ‘x’. Somente então teremos ‘conquistado’ o nosso lugar. Porque é uma competição, a existência em meio aos demais supõe competir com os demais. Em outras palavras, existir em sociedade implica estabelecer uma relação de poder marcada pela suposta ‘superioridade’ de capacidade de uns em relação aos outros. Apenas por meio do trabalho pode o homem sentir-se útil. Sentir-se útil – ou inútil – eis o início da ascensão e declínio do homem e da sua capacidade de sonhar.