sábado, 15 de junho de 2024

Amo como posso

Amo como posso amar

Amo como posso amar
paradoxal
com medo da noite
inseguro

Amo como posso amar
com minhas ilhargas assombradas
minhas cicatrizes
minhas feridas abertas

Amo como posso
como perdesse um caminho
como encontrasse um destino
nosso

Esqueço como posso
na estrada de amanhã
a morte silente, vagarosa
de um sonho em comum

A ausência visível
de sua presença próxima.

O desfecho de indas e vindas
trajetos, percalços
tentativas, erros

Esqueço como posso
aquilo que fomos

Mas guardo como quero
aquilo que somos.


terça-feira, 23 de abril de 2024

Perguntaram a mim quem eu era

 Sou uma e mil coisas ao mesmo tempo!

Algoz e paladino de meu próprio destino

Sou Chuva, Sol, Oceano, Profundeza

Sou caloroso e sóbrio -  alento em desatino


Sou uma e mil coisas ao mesmo tempo!

Sou Dionísio e Apolo, Sísifo e Tristão

Sou aquilo que abomino e que rejeito

Sou vento leve mas, também, furacão


Sou um mistério que vela em si o segredo

que há muito se conta e há muito se esquece

Sou nascimento e morte, extenso, extenso...

Sou aquilo que de fato desconhece...


Sou ser humano: indefinido

incompletude perpétua de algo que nunca

se encerra]

Sou abrigo, Sou vertigem

Sou Céu, Sou Terra...


segunda-feira, 1 de abril de 2024

" Não há nuvens que te escureçam.

Não há ventos que te desfaçam.

Não há águas que te afoguem.

Tu és a própria nuvem.

O próprio vento.

A própria chuva sem fim...."

Meireles

Carinho e Caminho

 Carinho e caminho

duas palavras distintas que se cruzam

no movimento do sentir


Caminho

local por onde transita um corpo

composição mental de uma nova etapa


carinho

gesto simples de percorrer um corpo

resíduo de amor que é entregue a cada gesto


a razão pela qual caminho e carinho se assemelham

é pq ambos, embora aparentemente diversos, constituem uma coisa só

quando duas almas navegam juntas

o M e o R se confudem

se entrelaçam...


para alguns: destino

para outros: o acaso

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Especulações em torno da palavra 'Amar'

Há noites em que me demoro a dormir. Atravesso-as em claro, guiado pelo fio etéreo que se alastra em meu labirinto. Perdido, vou procurando migalhas, sequioso pela rota que me leve ao ponto de partida, onde tudo era fogo, onde tudo jaz, livre, atemporal.

Amar...que significa amar? Não sei. Mas sei que, de alguma forma, amo. E quando amo...Amo? E, se não amo, que faço, quando penso que amo? Insisto no erro, insisto no engano? Ou...simplesmente amo, não como deveria, mas como posso? Amo da forma que me cabe neste momento. Mas é amor isso a que chamo? Amo do jeito que aprendi a amar. Amo certo? Amo errado? Não sei...não sei...

Afinal, qual seria o oposto do amor, se não o medo? Amar exige coragem. Coragem de irmos além. Além de nós mesmos, dos limites que nos cerceiam, aprisionam e diminuem nosso amor. O medo, por outro lado, é nosso grande inimigo. Em qualquer aspecto de nossa vida, ele será nosso maior inimigo e, no entanto, um grande aliado. Curioso é notar que tal como a luz não existe sem a sombra, o calor não existe sem o frio, o amor não existe sem o medo. E assim pendemos, entre duas margens, entre os opostos que se complementam, malabaristas manejando intentos - corações apaixonados que se encontram sob o manto do que se acaba a todo instante. Amar é experenciar verdadeiramente a finitude.

Antes de perguntar se amamos o outro, cabe a pergunta: será que amamos a nós mesmos? É possível amar o outro, quando na ausência de si? E quando não nos amamos - existe o outro? 

O amor é livre - tudo que aprisiona, distoa. Amar não é possuir. Esperar que o sol nasca sempre o mesmo é desconhecer a natureza do Sol. Esperar que os eventos se desenrolem de determinada forma é uma recusa em aceitar as leis que regem a própria natureza. Casualidade. Imprevisibilidade. Acidentes.

 Um objeto de desejo, ele mesmo, deseja? Não. Ele cumpre uma função, desempenha um papel. Qual é o papel do amor, se não o de ser ele mesmo uma ponte que une, que cria, que possibilita? A partir do momento em que amamos o que idealizamos no outro, nós tornamos ele nosso objeto de desejo. Não amamos o outro por quem ele é. Pensamos que amamos, mas em verdade estamos aficcionados pela ideia. Estamos flertando com sombras, apaixonados por projeções.

Amar é entrega ilimitada e desinteressada. É adoração silenciosa. É presença invisível. Água que brota da fonte. Pura. Sagrada.

Dói tanto estar perto. E, ainda assim, dói menos que estar longe. Seria amar uma dor? Um sofrer alegre, uma dor que edifica, que ensina? Qual dor não ensina? O que, afinal, não é amor? Sofremos na indefinição do amor. Sofremos na incerteza, na tempestade, na dúvida. Sofremos no medo, no abismo das certezas. Sofremos por que caminhamos sobre estradas que se apagam, porque construímos fortalezas inúteis, castelos de areia à beira do mar. Sofremos porque cristalizamos, porque estamos cansados, porque temos medo. Enfim, sofremos por que não aprendemos ainda a amar.

A união. O paradoxo que existe quando duas almas se propõem a florescer sob companhia uma da outra: tornar-se um, mantendo-se dois. Amar é uma casa-comum. Deve ser construída lentamente, sem pressa. Não existe, portanto, urgência no amor. Ele é paciente - e deve ser, pois é sempre uma tarefa mútua, de tempo compartilhado. E é absolutamente preciso que primeiro venham os alicerces, depois as vigas, em seguida as paredes, o telhado. Por fim, o jardim, que floresce e se torna abundante, se bem cuidado. Desabrochar é um processo lento. Florescer demanda tempo, esforço, energia.

No entanto, apesar disso, sei que é o amor? Não sei. Entre o pensar e o sentir existe um abismo. Sei que te desejo - e isto me basta.

Ora, não acredito em destino. Acredito em escolhas.

Talvez seja esta a tarefa mais grandiosa a que nos propomos quando deixamos migramos para maioridade. Tornar o amor um verbo ativo, dinâmico, presente. Tornar o amor uma casa - abrigar-se nele.

Te escrevo esse texto na esperança de que você não o leia. Sim. Como se ao declará-lo para o vazio ele me olhasse de volta, e em seu amplexo despretensioso, aprender, pouco-a-pouco, o significado da palavra amor. Na sombra da noite, sob a luz da lua, planto sementes em nosso jardim.

Essa é a forma que encontro para, enfim, assumir que não sei de nada. Que se escrevo, escrevo sob a areia fina. Escrever sobre o amor me ensina que escrever é também um ato de amar, embora eu não saiba defini-lo.

A cada linha, transbordo. Um pedaço de mim se desprende, se eterniza.

Tudo, absolutamente tudo, é passagem. Tudo se esvai na mão do tempo. Tudo se encerra, perpetuamente.

Somos rios à beira de nos tornarmos a qualquer instante oceano. Areias nesse imenso deserto, cujas dunas são sempre outras. E qual a nossa tarefa, senão a de amar, incondicionalmente?

Por isso escrevo - pois escrever é amar e amar é absolutamente tudo que me resta.






segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Homem: Um ser para a morte

 De acordo com Heidegger, o caminho que leva ao ser passa pelo homem, na medida em que ele está sozinho para interrogar-se sobre si mesmo, colocar-se em questão e refletir sobre o seu próprio ser. Concebida como via de acesso para a descoberta do ser, a análise da existência humana constitui o conteúdo da primeira parte de Ser e Tempo. Nesta obra, Heidegger aponta para três aspectos fundamentais da vida cotidiana do homem, cuja existência seria, para o autor, inautêntica: a facticidade, a existencialidade e a ruína.


Cabe a nós falarmos sobre a ideia de ruína. O que Heidegger compreende por ruína seria o desvio de cada indivíduo de seu projeto essencial, em favor das preocupações cotidianas, que o distraem e o perturbam, confundindo-o com a massa coletiva. O ser humano, em sua vida cotidiana, seria promiscuamente público e reduziria sua vida à vida com os outros e para os outros, alienando-se totalmente da principal tarefa que seria o tornar-se si mesmo.

Ora, mas como, enfim, tornamo-nos aquilo que somos? A fim de encaminhar-se na direção do ser seria necessário desvendar a existência autêntica do homem, aquela que o faz o verdadeira revelador do ser.

A angústia - segundo Heidegger - é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade com o ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indeferenciação da vida contidiana. Para Heidegger, o angustiado não somente ignora a razão de seu estado de consciencia como também tem certeza que coisa alguma no mundo está implicada nesse estado. Isso se comprovaria pelo fato de que, na angústia, todas as coisas do mundo aparecem bruscamente como desprovidas de qualquer importância, tornam-se desprezíveis e dissolvem-se em nulidade absoluta. O próprio angustiado desapareceria de cena, na medida em que seu eu habitual, composto pelas preocupações, desejo e ambições cotidianas e vulgares, passa a ser considerado como insignificante. A própria dissolução do eu nas coisas do mundo e nas trivialidades impede-o de localizar a causa de sua angústia. O que ameaça o angustiado - diz Heidegger - está em tudo e em lugar algum, ao mesmo tempo. Não se pode dizer que a angústia se aproxima ou se distancia; ela é onipresente. Por isso, envolve o homem com um sentimento de estranheza radical. Todos os socorros e todas a proteções são ineficazes para debelá-la; o homem sente completamente perdido e desvalido.

A partir desse estado de angústia, abre-se para o homem, segundo Heidegger, uma alternativa: fugir de novo para o esquecimento de sua dimensão mais profunda, isto é, o ser, e retornar ao cotidiano; ou superar a própria angústia, manifestando seu poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo. Aqui surge um dos temas-chave de Heidegger: o homem pode transcender, o que significa dizer que o homem está capacitado a atribuir um sentido ao ser. O homem está naturalmente fora de si mesmo, sobre o mundo, em relação direta com o mundo que ele produz e para o qual ele se projeta incessantemente: "Produzir diante de si mesmo o mundo é para o homem projetar originariamente suas próprias possiblidades."

Entretanto, nesse projetar-se sobre o mundo, o homem não estaria sozinho. Ele é um ser-com, um ser-em-comum e isso se manifesta sobretudo no trabalho, mas ainda mais profundamente na solicitude por outrem, fato que conduz ao amor e à comunicação direta. É principalmente em relação a si mesmo e a seu próprio futuro que o homem não cessa de transcender-se. O ser humano jamais seria um ser acabado e nunca seria tudo aquilo que pode ser; estaria sempre diante de uma série infinita de possibilidades, sobre as quais se projeta. Estabelecendo um estado de permanente tensão entre aquilo que o homem é e aquilo que virá a ser, essa projeção constituiria a inquietação. A inquietação estrutura o ser do homem dentro da temporalidade, prendendo-o ao passado, mas, ao mesmo tempo, lançando-o para o futuro. Assumindo seu passado e, ao mesmo tempo, seu projeto de ser, o homem afirma sua presença no mundo. Ultrapassa então o estágio da angústia e toma o destino nas próprias mãos.

A temporalidade constitui, assim, a dimensão fundamental da existência humana, segundo Heidegger. E o filósofo conclui a segunda seção da primeira parte de Ser e Tempo com a pergunta: haverá algum caminho que possa levar do tempo existencial ao sentido do ser? Em outros termos, o tempo se revelaria também como o horizonte do ser?