Ontem mesmo passava pela rua em que cresci, e
notava saudoso todas as transformações que ela sofrera ao longo desses vinte
anos. Outros muros, cores diversas, as fachadas reformadas, novos ladrilhos,
portões e calçadas; reconhecia todas as casas, e juro que podia dizer com
precisão quais foram as mudanças pelas quais cada uma passou. Nossa memória é nosso refúgio.
Gozado é notar que meu espírito avaliava tudo aquilo com certa resistência
- havia qualquer coisa de intimidador com toda aquela transformação. Como se a
mudança material das edificações simbolizasse a impermanência e transitoriedade
da própria existência - e junto a ela, uma espécie de reflexão jazia. Afinal, o que fiz durante todos esses anos?
Como se, estando eu lá atrás, na imagem que tinha da rua onde cresci,
estaria resguardado das dores emaranhadas na imagem do agora.
Como se ao permanecer inalterada a fisicalidade de certo espaço nos sentíssemos
mais próximos a quem éramos quando o frequentávamos...
Ah! Mas que loucura é se abrigar em memórias e desejar que na vida tudo
permaneça o mesmo - se a todo segundo tudo é novo, tudo se altera, tudo se
transforma...
Seria a negação da mudança, seja qual for, o grande dilema de nossas vidas?
Aceitar a morte como quem aceita a chuva - e fazer das lágrimas uma espécie de oração.